terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Essa noite não.

Ela se viu diante do espelho. Como não sabia se estava sonhando ou acordada, resolveu fazer um teste de realidade. Primeiro contou quantos dedos constavam em cada pé e mão. Vinte foi ao número que chegou. Apesar disso, sentiu dificuldade e continuou desconfiando de sua condição onírica consciente. Partiu para o segundo teste. Observou cada detalhe da pintura descascada da parede roxa do quarto. Estavam todas as marcas de noites em claro que se traduziam em rabiscos e gravuras mal acabas. Fitou a janela da cama, esticou-se, viu a cidade amarela. “São as luzes”, gritou. As cortinas transparentes embaçavam sua visão míope da realidade. Colocou os óculos, e, buscou por pistas do irreal. Achou em baixo da cama uma caixa de remédios fora da validade. Não se lembrava da noite anterior e isso aumentou sua desconfiança. Ao abrir a caixa, percebeu um bilhete que dizia apenas: “vá, veja, sinta e pule” com a sua prórpia assinatura. As sinapses iniciaram batalha preguiçosa até que, sem perceber, lembrou-se da vida. Lembrou-se do pânico de altura e da amnésia momentânea que o remédio causava. A tristeza retornou ao seu lugar enraizado após tantos anos de ansiedade. Conviveu, novamente, com os fatos dilacerantemente silenciosos de sua vida. Finalmente, teve uma ideia que, provavelmente, diariamente tem: “amanhã, quero esquecer de tudo novamente, explorar o mundo, e, quem sabe, seguir a luz amarela. Essa noite não posso, pois, voltei a pensar. Só ´sou´ quando não penso”. 


Devagar, divagar ou de vagar.


Música, expressão, fuga... Respirar o que há de etéreo no mundo sempre foi uma das minhas especialidades, e, de certa maneira, o caminho para um mundo rico em detalhes que de tão imateriais, tornam-se parte da realidade apenas pela força do pensar. A proposta desse blog é trazer, em cada post, um conto baseado em uma música. A arte precisa da homenagem. O autor precisa do olhar crítico e apreciador. Acredito, de verdade, que um dos maiores dramas do homem é a tentativa constante de se comunicar e se fazer entender. O blog é uma forma aberta e simples para expor o olhar. Interno, externo, espiritual... não importa muito. Mesmo que eu fale do concreto da construção civil, ainda assim, é uma visão subjetiva do que aparenta ser o mundo.

Bom dia, boa tarde e boa noite leitores!

Céu de Belém. 17/03